segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

MENSAGEM PARA O TEMPO DA QUARESMA E DA PÁSCOA DE 2012 BISPO DE VIANA DO CASTELO

1. “A Quaresma oferece-nos a oportunidade de reflectir mais uma vez sobre o cerne da vida cristã: o amor.” É assim que o S. Padre Bento XVI inicia a sua mensagem para a Quaresma deste ano – um percurso, como ele acrescenta, “marcado pela oração e a partilha, pelo silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal.” E desenvolve a sua reflexão, baseando-se na exortação de Heb 10, 24: Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras.
Parece-me particularmente oportuno, para a situação em que vivemos, o que o S. Padre escreve sobre a atenção mútua a que o texto bíblico apela: “A atenção ao outro inclui que se deseje, para ele ou para ela, o bem sob todos os aspectos: físico, moral e espiritual.” E o Papa insiste principalmente no bem espiritual, para o qual deve contribuir “a correcção fraterna, tendo em vista a salvação eterna. De forma geral, hoje é-se muito sensível ao tema do cuidado e do amor que visa o bem físico e material dos outros, mas quase não se fala da responsabilidade espiritual pelos irmãos.”
Na prática, o Sumo Pontífice está a realizar aquilo a que nos convida: a chamar a nossa atenção de cristãos ou, talvez mesmo, a corrigir-nos de uma prática do amor que, sendo parcial, pode até ser nociva. Vejam-se, antes de mais, os casos extremos de pessoas que se aproveitam dos bens materiais que partilhamos, sem deles realmente necessitarem ou até – o que ainda é pior – para alimentar vícios que são prejudiciais, a elas e aos outros. Afinal, o que lhes falta é o bem moral e espiritual.
Mas, mesmo para com pessoas realmente carenciadas de bens materiais, a nossa ajuda não pode restringir-se a esse nível. Diz o S. Padre que “a responsabilidade pelo próximo significa querer favorecer o bem do outro, desejando que também ele se abra à lógica do bem.” E trata-se de “todo o seu bem.” E, pelo menos para nós cristãos, ninguém é bom senão Deus, como diz Jesus ao homem rico desejoso de alcançar a vida eterna (Mc 10, 18). Só em Deus encontramos o sumo bem, como acontece com Jesus.
Repare-se, a este propósito, no que o Papa escreveu na encíclica Caritas in Veritate (n.º 11), publicada quando rebentou a crise económica e social que nos afecta: “O autêntico desenvolvimento do ser humano diz respeito unitariamente à totalidade da pessoa em todas as suas dimensões.” Por isso, “requer uma visão transcendente da pessoa, tem necessidade de Deus: sem Ele, o desenvolvimento ou é negado ou acaba confiado unicamente às mãos do ser humano, que cai na presunção da auto-avaliação e acaba por fomentar um desenvolvimento desumanizado.”
Isto significa, por um lado, que é Deus, e não apenas um simples impulso humano, que nos leva à prática do bem, e, por outro, que tudo devemos empreender para que os outros, incluindo os que ajudamos materialmente, acolham nas suas vidas esse maior dom, que é Deus.
Mas não vamos, com isto, cair na tentação do proselitismo, exigindo a fé em Deus como moeda de troca pelo bem que fazemos. Diz o Youcat (Catecismo Jovem da Igreja Católica, n.º 354): “Ninguém deve forçar os outros, mesmo os próprios filhos, a ter fé, como ninguém deve ser forçado a não crer. O ser humano só pode optar pela fé em total liberdade. Não obstante, os cristãos são chamados, pela palavra e pelo exemplo, a ajudarem as outras pessoas a encontrar o caminho da fé.”
O exemplo mais convincente é o da caridade. Como escreve S. Paulo, a fé actua pela caridade (Gl 5, 6). É na prática da caridade que encarna e mais se revela o amor extremo de Deus, manifestado na morte e ressurreição de Seu Filho, um amor experimentado ao vivo por aqueles a quem, levados por ele, fazemos o bem. E então, sim, é muito mais fácil falar-lhes de Deus e atraí-los para Ele e para o bem de que Ele é fonte insubstituível.

2. Mas para isso precisamos de renovar ou aprofundar a nossa comunhão com Deus. Se no jejum e na partilha se exprime sobretudo a caridade, a oração e o silêncio são necessários para que na prática dessa caridade mantenhamos a pureza e a persistência que só o Deus em quem acreditamos nos pode proporcionar.
Nesse sentido, convido todos os diocesanos, sacerdotes e seminaristas, consagrados e cristãos leigos, a servirem-se do percurso proposto na minha Carta Pastoral “Cristo em vós: a Esperança da Glória” para a vivência dos tempos quaresmal e pascal, principalmente na oração e reflexão. Sugiro mesmo que se distribua a sua leitura do seguinte modo:
- A 1ª parte – “Ao encontro comigo próprio” – aborda temas (a luta pela vida, a necessidade de Deus, os dramas do pecado e da morte) cuja reflexão se situa melhor no tempo da Quaresma em que somos convidados à conversão de vida.
- A 2ª parte – “Ao encontro de Cristo” – apresenta-nos a boa nova da ressurreição e morte de Cristo e os seus efeitos salvíficos naqueles que a acolhem pela fé e pode, por isso, ser uma preciosa ajuda para a vivência do tempo especificamente pascal.
- A 3ª parte – “Com Cristo ao encontro com os outros” – trata do testemunho vivo que, como cristãos, devemos dar do Ressuscitado, na Igreja e no mundo, e aconselha-se, por isso, a sua meditação nos tempos mais próximos do Pentecostes.
Para esta caminhada cristã pode ser muito preciosa a reflexão em grupos. Podemos assim ajudar-nos uns aos outros a que cada um se encontre com Cristo, e estaremos deste modo a pôr em prática o amor, na vertente que o S. Padre, na mensagem quaresmal, nos apresenta: a “recíproca correcção e exortação, em espírito de humildade e de amor, deve fazer parte da vida da comunidade cristã.”

3. Desejo, finalmente, comunicar os três destinos, em partes iguais, da renúncia quaresmal e do contributo penitencial deste ano, depois ser ouvido o Conselho Presbiteral:
- O Fundo Social Solidário, ao cuidado da Conferência Episcopal Portuguesa, que, deste modo, está a socorrer, a nível nacional, os mais carenciados, principalmente de bens materiais.
- O Santuário de Nossa Senhora da Peneda, de que a nossa diocese precisa como verdadeiro centro de espiritualidade cristã.
- A Casa Sacerdotal da nossa diocese, em que procuramos proporcionar aos sacerdotes mais debilitados o conforto e o repouso de que necessitam.
Procuremos fazer das nossas ofertas uma expressão do amor que recebemos de Deus e que tem, na generosa partilha de bens, uma das suas expressões mais visíveis.

Viana do Castelo, 12 de Fevereiro de 2012


+ Anacleto Oliveira (Bispo de Viana do Castelo)

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